Cientistas dão 'nó' em pingo de luz nos EUA


Pesquisadores conseguiram congelar e depois reviver um raio laser.
Experimento pode ajudar a construir computadores mais eficientes
Dar nó em pingo d'água virou brincadeira de criança depois que um grupo de cientistas da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, deu um nó em pingo de luz -- e depois ainda desatou o nó. Maravilhas do misterioso mundo quântico, que poderão, no futuro, dar origem a computadores muito mais capazes e rápidos do que os atuais.

Os pesquisadores liderados pela dinamarquesa Lene Vestergaard Hau conseguiram "congelar" um raio de luz em meio a uma nuvem de átomos de sódio. Depois, fizeram uma coisa ainda mais incrível -- "extraíram" esse mesmo raio de luz de uma outra nuvem de átomos, idêntica à outra, mas distinta.

Essas nuvens de átomos estavam extremamente resfriadas, numa forma conhecida como Condensado de Bose-Einstein (não, não é de comer). É um estado da matéria em que as partículas têm tão pouco movimento (ou seja, estão tão frias) que começam a se "coordenar", comportando-se como se fossem um único átomo, todas com as mesmas propriedades.

"O condensado de Bose-Einstein está para a matéria como o laser está para a luz", explica Naomi Shauna Ginsberg, primeira autora do estudo, que saiu publicado na edição desta quinta-feira (8) da revista científica britânica "Nature". "Se estamos falando de átomos em um condensado de Bose-Einstein ou fótons [componentes da luz] num laser, as partículas constituintes todas têm a mesma energia e direção, e trabalham juntas em sincronia."
Para realizar o experimento, os pesquisadores criaram dois condensados de Bose-Einstein, separados por uma pequena distância (coisa de um décimo de milímetro), mas ainda assim individuais. Então, dispararam um raio laser na direção do primeiro condensado. Os átomos de sódio absorvem as propriedades das partículas de luz, como que "congelando-a".

Mas uma coisa estranha acontece. Algumas propriedades das partículas de luz continuam viajando além do primeiro condensado e chegam ao segundo, logo ao lado. Então, ao manipular o segundo condensado, eles conseguiram induzir o feixe de partículas de luz que estava congelado no primeiro a se regenerar e a se libertar do segundo, onde ele nunca esteve para começar!
Implicações filosóficas

O experimento prova uma das conseqüências mais malucas da mecânica quântica: a de que dois conjuntos de partículas iguais podem ser, para todos os efeitos, encarados como o mesmo conjunto.

Na vida cotidiana, aprendemos que igualdade não é o mesmo que identidade -- duas coisas podem ser iguais, sem serem a mesma. Mas no mundo quântico, com as regras malucas que regem a vida das coisas muito, muito pequenas, é impossível distinguir o que é ser idêntico e o que é ser a mesma coisa.

"Nossos resultados mostram que duas coisas idênticas podem ser trocadas e ninguém poderia perceber", diz Ginsberg, para quem as surpresas do mundo quântico estão apenas começando. "Eu imagino que, conforme a pesquisa siga em frente, continuaremos a descobrir mais e mais fenômenos que emergem da teoria quântica. Tenho certeza de que não vimos a última dessas descobertas."

Computador mágico
A capacidade de congelar partículas de luz e depois liberá-las, em outro lugar, pode ser um mecanismo ótimo para realizar processamento de informação usando propriedades das partículas envolvidas como "bits" de dados, segundo os cientistas.

As regras doidas da mecânica quântica dão a computadores que seguirem esses princípios uma capacidade especial -- como partículas podem estar em mais de um estado ao mesmo tempo, a computação quântica permite que a máquina faça cálculos muito mais complexos de forma rápida.

Claro, as pesquisas ainda estão muito no começo, mas os cientistas têm esperanças de que um dia seus experimentos desemboquem em computadores práticos. "Se nós tivermos sucesso em nossa meta, eu vejo essa tecnologia aparecendo em aparelhos mais comuns. Claro, isso exigiria muita criatividade e miniaturização, mas os primeiros computadores clássicos ocupavam salas inteiras, assim como o nosso experimento atual", diz Ginsberg.
Enquanto isso, os físicos seguem com sua diversão -- coisa que o laboratório de Hau fornece em abundância. "É um laboratório de ciência, mas os aparelhos parecem uma obra de arte!", entusiasma-se Ginsberg. "Temos uma mesa de laser gigante com muitos raios laser amarelos que andam por caminhos complicados para convergir numa câmara a vácuo, onde a ação acontece. É como olhar para uma grande cidade da janela de um avião à noite. Cada lente e espelho precisam ser alinhados cuidadosamente para produzir os condensados e enviar as mensagens entre eles. É muito legal!"
Fonte : Salvador Nogueira Do G1, em São Paulo

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