O CÉREBRO,A MENTE E A MECÂNICA QUÂNTICA


O cérebro, a mente e a mecânica quântica



Resumo introdutório

Segundo o ponto de vista convencional, deve-se entender a atividade cerebral em termos de física essencialmente clássica. Os sinais nervosos são considerados como fenômenos "sim ou não", igual às correntes nos circuitos de um computador, sem nenhuma das misteriosas superpo­sições de alternativas, características da ação quântica. Ainda que se aceite, em níveis subjacentes, os efeitos quânticos desempenhando algum papel, os neurobiólogos, em geral, opinam que não haveria necessidade de sairmos do marco clássico da física newtoniana. As forças químicas que controlam interações de átomos e mo­léculas têm, de fato, uma origem mecânico-quântica, e é fundamentalmente a ação química quem governa o comportamento dos neuro­transmissores sinápticos.
Analogamente, os potenciais de ação que controlam fisicamente a transmissão do sinal nervoso têm uma origem certamente mecânico-quântica. Mas, em geral, supõe-se que é perfeitamente adequado modelar o comportamento do neurônio, e de suas relações mútuas, de uma forma clássica. Como conseqüência, o funcionamento físico do cérebro, como um todo, irá modelar-se tal um sistema clássico, em cuja descrição não intervenham significativamente os as­pectos mais sutis da física quântica.
Isso implicaria em que não desempenham papel relevante as superposições da teoria quântica, que permi­tiriam a ocorrência e não-ocorrência simultâneas de eventos. Assim, se considera­ria adequado tratar tais superposições como efeitos virtuais estatísticos, e a modelização clássica da atividade cerebral continuaria perfeitamente satisfatória.
Contudo, existem opiniões que diferem desta, defendendo a importância dos efeitos quânticos, por exemplo, nas sinapses (Beck & Eccles, 1992; Eccles, 1994). Eccles assinala o retículo vesicular pré-sináptico – uma rede hexagonal paracristalina nas células piramidais do cérebro – como um locus quântico apropriado. Com a possibilidade de que efeitos quânticos iniciem atividades maiores no cérebro, manifesta-se, na atualidade, a esperan­ça de que a indeterminação quântica possa ser quem proporciona a ponte para a mente influir no cérebro físico – a causação descendente mental. Aqui teremos de adotar, provavelmente, alguma visão dualista; talvez o livre arbítrio de uma mente externa possa ser capaz de intervir nas eleições quânticas que surgem de tais processos não-deterministas.
Onde iríamos buscar o ponto de intersecção entre os níveis quântico e clássico? Se a mente fosse algo com­pletamente externo ao corpo físico, tornar-se-ia difícil entender como tantos de seus atributos associam-se estreitamente com propriedades do cérebro físico. Nossa opinião é a de que devemos buscar mais profundamente nas estruturas materiais físicas e reais que constituem o cére­bro, ou melhor, na questão mesma do que vem a ser real­mente uma estrutura material em nível quântico das coisas!
Seja como for, aIgo nos parece claro. Não devemos buscar simplesmente nos efeitos quânticos de partículas, átomos ou mesmo moléculas pe­quenas simples, mas, nos efeitos de sistemas quânticos que mantêm sua ma­nifesta natureza quântica em uma escala muito maior. Se não estiver implicada uma coerência quântica em grande escala, não haverá possibilidade de que algum dos sutis efeitos do nível quântico, tais como a não-localidade, o paralelismo quântico (várias ações superpostas e simultâneas), ou efeitos de contrafacti­cidade, tenha a menor importância quando se alcança o nível clássico da ativi­dade cerebral.
Para nós, os autores, a intersecção mente-cérebro se faz pela coerência quântica. Semelhantes estados têm lugar nos fenô­menos de supercondutividade, onde a resistência elétrica cai a zero, e de su­perfluidez, onde o atrito do fluido, ou viscosidade, cai a zero. Acreditamos que tal coerência ocorra em determinadas regiões cerebrais, constituindo-se no fenômeno do Condensado Bose-Einstein (BEC), descrito no artigo.
Os críticos materialistas argumentam haver dificuldades insuperáveis na hipótese de acontecimentos imateriais, como o pensamento, poderem atuar de uma alguma forma sobre estruturas materiais, como os neurônios do córtex cerebral, hipótese esta que se conhece com o nome de causação mental.
Uma suposta ação desse tipo é considerada incompatível com as leis da conservação de energia da física, em particular com a primeira lei da termodinâmica. Esta objeção seria decerto apoiada pelos físicos do século XIX, e pelos neurocientistas e filósofos que se situam, ainda, ideologicamente na física do século XIX, não reconhecendo a evolução produzida pelos físicos quânticos dos séculos XX e XXI.
É raro, infelizmente, que um físico quântico ouse uma intromissão na questão cérebro/mente, mas o físico quântico Margenau1, em 1984, dá-nos uma contribuição fundamental: "[saber] que alguns campos, como o campo de probabilidade da mecânica quântica, não transportam energia e nem matéria" (p. 22), significa uma transformação notável para a física atual. Margenau continua:
 "Em sistemas físicos muito complicados como o cérebro, os neurônios e os órgãos dos sentidos, cujos constituintes são suficientemente pequenos para poderem ser governados pelas leis quânticas da probabilidade, o órgão físico está sempre posicionado para uma quantidade de possíveis modificações, cada uma com uma probabilidade definida; se ocorrer uma modificação que requeira energia, ou mais ou menos energia do que uma outra, o intrincado organismo fornece-a automaticamente. A mente não seria chamada a fornecer energia" (p. 96).
Em resumo, Margenau afirma que: "A mente não pode ser vista como um campo no sentido físico aceito do termo. Mas como um campo não material, cuja analogia mais próxima seja, talvez, um campo de probabilidade" (p. 97).
A hipótese é a de que entre os fenômenos cerebrais e mentais haveria uma interação, análoga a um campo probabilístico da mecânica quântica, campo este sem  massa e nem  energia, podendo contudo, provocar ação efetiva em microssítios de operação. Aos dualistas interacionistas, esta hipótese lhes é mui cara, e dentre estes estão, nada mais nada menos que, Eccles e Popper. Como diz Eccles2:
"Para uma formulação mais precisa da hipótese dualista da interação cérebro/mente, a afirmação inicial é que o mundo dos acontecimentos mentais tem uma existência tão autônoma como a do mundo da matéria/energia. Ainda que, a hipótese interacionista atual relacione-se, não com estes problemas ontológicos, mas simplesmente com o modo de ação dos acontecimentos mentais sobre os acontecimentos neuronais. Propõe-se, mais especificamente, que a concentração mental envolvida em intenções ou o pensamento planejado possa provocar acontecimentos neuronais por meio de um processo análogo aos campos de probabilidade da mecânica quântica" (p. 288).
Que estruturas neuronais poderiam ser recipientes apropriados de acontecimentos mentais? Roger  Penrose3, em seu livro "Shadows of the Mind", responde que ao nível dos microtúbulos cerebrais, descobertos pelo anestesiologista  Hameroff4, da Universidade do Arizona, onde, ocorreriam "fenômenos quânticos responsáveis por estados mentais conscientes". O que nos autoriza a supor que os microssítios propostos acima, poderiam, muito bem, ser regiões destes microtúbulos.  
Outra resposta estaria nas descobertas sobre a natureza do mecanismo sináptico.  Valemo-nos da obra "Física Quântica" de  Eisberg & Resnick5 para situarmos a indagação que se segue:
A questão que se levanta diz respeito à magnitude do fenômeno que poderia ser produzido por um campo de probabilidade quântica. Assim:
A massa de uma  vesícula sináptica teria um valor de magnitude que pudesse estar situada no âmbito do Princípio de Incerteza de Werner Heisenberg?
Vejamos: para se instituir uma exocitose – esvaziamento extra-celular de uma vesícula citoplasmática – é apenas necessário deslocar uma pequena área de membrana dupla da célula, que pode ter uma espessura não superior a 10 nm, e se tiver  uma área de 10 nm por 10 nm, seria uma partícula com massa de apenas 10 – 18 g, o que a traria, facilmente, ao âmbito da física quântica e do Princípio de  Incerteza de Heisenberg (Eccles6).
[lembremos: 1 µm = 10 - 6 m; 1 nanômetro = 10 - 9 m; 1 picômetro = 10 - 12 m]
Efetivamente, biofísicos que trabalhavam com a retina humana descobriram que suas células são suficientemente sensíveis para registrar a absorção de um único fóton! Esta descoberta aconteceu há quase cinqüenta anos atrás. Ali já  estava  sendo aberto um canal de comunicação entre o mundo elementar da física e nossa percepção da realidade cotidiana.
Isto é assim, particularmente na medida em que as vesículas estão já em posição na malha vesicular pré-sináptica, de forma que a exocitose não depende do movimento através de um meio viscoso. Dizem os dualistas que a influência mental proposta, não faria mais do que selecionar para a exocitose uma vesícula já em aposição à membrana.
A probabilidade da exocitose é muito inferior à unidade para o conjunto de vesículas da malha vesicular pré-sináptica (Jack & cols.7; Korn & Faber8). Pode-se concluir que o cálculo na base do Princípio de Incerteza de Heisenberg mostra que uma vesícula da malha vesicular pré-sináptica poderia ser concebivelmente selecionada para a exocitose por uma intenção mental atuando de forma análoga a um campo de probabilidade quântica.
 A energia necessária para iniciar a exocitose poderia ser reposta ao mesmo tempo e no mesmo lugar pelas moléculas transmissoras, escapando de uma elevada concentração para uma baixa concentração. Na física quântica será uma operação legal retirar energia dos microssítios, desde que seja reposta de imediato. Esta transação da exocitose poderia, assim, não envolver qualquer violação das leis de conservação da energia da física geral.
Quanto à ordem de magnitude do fenômeno, é simplesmente a da emissão de uma única vesícula, a qual é pequena demais para modificar os padrões da atividade neuronal, mesmo em pequenas áreas do cérebro. Há, porém, muitos milhares de botões semelhantes numa célula piramidal do córtex cerebral. De acordo com a hipótese dos microssítios, a malha vesicular pré-sináptica fornece à intenção mental a oportunidade para selecionar, por opção, a exocitose de uma única vesícula proveniente de um botão. Isto aconteceria em todo o conjunto de espinhas sinápticas que são ativadas nesse momento, provavelmente milhares, uma vez que há cerca de 10.000 numa única célula piramidal cortical (Szentágothai9,10).
Tentemos descobrir a estrutura do acontecimento microneural proposto. Uma característica estrutural assinalável do córtex cerebral do mamífero é a organização dos dendritos apicais das células piramidais das camadas V, III e II em feixes ou grupos à medida que ascendem à camada I (Fleischhauer11; Feldman12; Peters & Kara13). O agrupamento dendrítico é uma característica de todas as áreas do córtex cerebral na camada IV. Em média, um grupo inclui dendritos de cerca de 30 células piramidais da camada V com um diâmetro transversal de cerca de 50 µm e um espaçamento semelhante. Para as células piramidais das camadas III e II, o número vai crescendo para atingir quase 100 na superfície cortical. De acordo com Peters & Kara13, propõe-se que o grupo dendrítico constitui uma microunidade estrutural do córtex cerebral que se pode apropriadamente denominar um dendron. Propõe-se igualmente que o grupo dendrítico é a estrutura cortical dos acontecimentos microneurais na sua interação com acontecimentos mentais unitários. A quantidade desses dendrons no córtex cerebral humano é enorme, cerca de 40 milhões.
Uma hipótese unitária foi desenvolvida a partir da hipótese dos microssítios. Há, por exemplo, Xdendrons (unidades neuronais), penetrados cada um deles por uma unidade mental ou psychon. Há fortes indícios para esta relação unitária (Eccles14), que tem uma grande simplicidade e poder explicativo. Uma intenção mental agindo através de um psychon, tem no seu dendron dezenas de milhares de malhas vesiculares pré-sinápticas ativadas, com as suas vesículas aguardando seleção.
Na operação inversa, do cérebro para a mente, é necessário desenvolver a hipótese de que cada vez que um psychon seleciona com sucesso uma vesícula para a exocitose (de acordo com o campo de probabilidade quântica), o microssucesso é registrado no psychon para transmissão através do mundo mental. A percepção depende de uma atenção dirigida que ativa uma área cortical específica. Haveria evidentemente uma grande ampliação quando o psychonselecionasse com sucesso, por essa mesma altura, grandes quantidades de vesículas a partir das dezenas de milhares de malhas vesiculares pré-sinápticas do seu dendron. O sinal de sucesso do psychon transportaria decerto ao mundo mental a característica vivencial especial dessa unidade.
Quando alguma informação sensorial provoca uma forte excitação das malhas vesiculares pré-sinápticas de um dendron, o psychon associado terá maiores oportunidades para selecionar vesículas para a exocitose de acordo com o campo de probabilidade quântica. O sucesso é registrado pelo psychon e pode ser transmitido com a sua característica vivencial através do mundo mental. A interface cérebro/mente parece que, assim, teria sido atravessada.
Pode-se fornecer uma explicação para o fato correntemente observado de que a entrada de uma informação no sistema nervoso sensorial pode dar origem a uma experiência sensorial. Umdendron unitário da área V4, por exemplo, agiria através da interface para o seu psychonassociado para provocar uma sensação vermelha de acordo com a ligação unitária fixa. Devido à  nossa atenção, há em cada momento uma integração dos milhões de percepções mentais unitárias (psychons) nas vivências globais que fruímos.
Para quem aceitar o mundo dos fenômenos mentais e, o dos fenômenos cerebrais justapostos, como o fazem os dualistas interacionistas, nesse contexto, podemos considerar que essas hipóteses descrevem uma tentativa no sentido de mostrar como os microssítios no cérebro poderiam ter propriedades transcendentais, de ser canais de comunicação entre estas duas entidades completamente díspares. Se o fato dos acontecimentos mentais, poder efetivamente agir sobre o cérebro, vier a ser aceito, as implicações filosóficas que daí se extrairiam, seriam de grande alcance. Todos nós pensamos e agimos como se tivéssemos pelo menos algum controle sobre a responsabilidade pelas nossas ações, especialmente em nosso desempenho lingüístico, mas alguns críticos reducionistas têm afirmado com insistência que isto deve ser uma ilusão uma vez que é contrária às leis de conservação da física. Estamos, agora, livres para rejeitar estas críticas.
De acordo com a hipótese dos microssítios, a interação cérebro/mente está intimamente dependente de duas características assinaláveis das sinapses excitatórias do cérebro. Primeiro, há a estrutura da malha vesicular pré-sináptica e a organização pela qual há apenas uma única malha vesicular pré-sináptica para cada botão (Akert & cols.15). Segundo, há a função de probabilidade da emissão de vesículas sinápticas provenientes da malha vesicular pré-sináptica, que é inferior à unidade, freqüentemente bastante inferior, e capaz de ser modificada para mais ou para menos (Jack & cols.7; Korn & Faber8).
É surpreendente que se tenham identificado sinapses com estas propriedades em situações em que não poderia haver qualquer função na interação cérebro/mente. Por exemplo, as sinapses inibitórias nas células Mauthner da medula espinal de um peixe-dourado são dos principais sítios na investigação da probabilidade de emissão vesicular. Histologicamente (Triller & Korn16), há uma malha vesicular pré-sináptica semelhante à que foi descrita por Akert. O outro sítio principal para a investigação da probabilidade de emissão vesicular é as sinapses feitas por impulsos aferentes (Ia) nos motoneurônios onde, uma vez mais, não poderia existir qualquer relação funcional na transmissão de acontecimentos mentais para acontecimentos neuronais. Ainda mais surpreendente é a descoberta de malhas vesiculares pré-sinápticas nas sinapses do molusco Aplysia (Kandel & cols.17).
Muito cedo na evolução da transmissão sináptica química, desenvolveu-se um mecanismo para controlar a emissão vesicular. A concepção funcional da malha vesicular pré-sináptica seria o molde a preservar vesículas sinápticas limitando a exocitose a uma taxa bastante inferior a uma por impulso, caso contrário a ativação de sinapses a uma freqüência elevada poderia esgotar perigosamente as reservas vesiculares do botão. De interesse nesse contexto é o fato de, na sinapse neuromuscular massiva, existir uma tendência, segundo Akert,  para a exocitose de mais de 100 vesículas sinápticas por impulso (Hubbard18). Um tão grande efluxo do transmissor sináptico (acetilcolina) é necessário para a efetiva despolarização da placa motora.
Podemos voltar aos acontecimentos evolutivos que levaram os animais superiores a ser conscientes. Como Popper19 afirma: "A emergência da consciência plena… é decerto um dos maiores milagres" (p. 129).
Podemos, porém, apontar pelo menos uma condição propícia, a malha vesicular pré-sináptica com a sua baixa probabilidade de emissão vesicular controlada. Poderia agir como um microssítio para acontecimentos mentais agindo de forma análoga aos campos de probabilidade da mecânica quântica, qualificando-se deste modo como um exemplo de evolução antecipatória. Evoluiu no sentido de uma transmissão efetiva em sinapses químicas e, após um período de tempo evolutivo extraordinariamente longo, foi utilizada, de acordo com a hipótese dos microssítios, na interação cérebro/mente, pela qual os animais se tornaram conscientes.
Para os progressos posteriores da evolução hominídea pelos quais se tornaram autoconscientes, propor-se-á que não houve qualquer modificação fundamental no modo pelo qual os acontecimentos mentais controlaram os acontecimentos neuronais. A hipótese de microssítios seria utilizada pela mente autoconsciente que se desenvolveu durante a evolução hominídea, chegando ao surgimento de áreas cerebrais especializadas, associadas à consciência do eu (Creutzfeldt20,21).
Marshall22, em um  trabalho sobre memória, em 1960, elaborou pela primeira vez com detalhes, a necessidade de uma abordagem mecânico-quântica da consciência. Dizia ele que as leis da física clássica não davam lugar ao livre jogo dos processos de pensamento, liberdade de escolhas e intenções, enfim  ao "livre arbítrio" – considerado característica da consciência humana.
Mais recentemente, o físico russo Orlov23 elaborou argumento semelhante: em qualquer tipo de resolução de problema ou pensamento criativo, a indeterminação quântica e os estados de probabilidades sobrepostos (estados virtuais) devem desempenhar papel fundamental, no cérebro, a todas as potencialidades latentes na consciência.
Se como sugerem Penrose24, e, segundo  Zohar25, também Marshall26 e Orlov  a base física da consciência for  um fenômeno mecânico-quântico:
Como será este processo e que propriedades deverá  encontrar no cérebro?
Em acréscimo às hipóteses levantadas na questão dos microssítios, temos que apresentar um "estado imutável" – na linguagem da física – agindo como pano-de-fundo de toda a unidade contínua da mente, mantendo-a coesa, uniformemente fixa no espaço e persistente no tempo, qualidades necessárias para o bom desempenho de seus  processos dinâmicos. Esta uniformidade pode ocorrer em materiais que existem em "fase condensada". A fase de condensação refere-se à quantidade de ordem existente em um dado sistema, a entropia. Por exemplo, as fases da água, do estado de vapor,  passando pelo líquido e, atingindo o sólido, ocorre uma ordenação cada vez maior  de suas moléculas. Assim, o cristal de gelo, é um exemplo de uma fase condensada, como também acontece com os cristais de sal e de açúcar, embora, nestes três casos, estruturada de modo um tanto impreciso.
Outros exemplos são os imãs comuns, os superfluidos, os supercondutores, a luz laser, as correntes elétricas nos metais e as ondas sonoras nos cristais. Todos têm em comum um certo grau de coerência que faz seus átomos ou moléculas comportarem-se como uma unidade.
Já se sugeriu que a mente dependa do fato de o cérebro assumir as características de um superfluido ou um supercondutor. Entretanto, esta sugestão esbarrava em uma grave questão básica: esses estados somente existem em temperaturas extremamente baixas e, evidentemente, seria impossível em nosso cérebro, que está na temperatura corporal normal.
Aqui foi lembrada a descoberta, de cerca de vinte anos antes,  de  Fröhlich27, da Liverpool University, na Inglaterra: o seu "sistema bombado" – sabidamente encontrado em tecidos biológicos – descrito como sendo constituído por moléculas eletricamente carregadas: os  dipolos,  positivos em uma extremidade e negativos na outra.  Estes dipolos localizados nas membranas celulares emitem vibrações eletromagnéticas, os fótons virtuais. O físico alemão  Popp28 descobriu a leve fosforescência  por eles emitida, aos quais chamou de biofótons coerentes, de importância vital na ordenação celular.
Fröhlich29 demonstrou que além de um certo limite, qualquer energia introduzida a mais no sistema bombado referido, faz  com  que as moléculas dipolares vibrem em uníssono. No limite máximo de ordenação possível este sistema entra em fase condensada  -  o "Condensado de Bose-Einstein" (BEC), conforme artigo de Marshall30.
O BEC tem como característica fundamentalmente singular tornar as inúmeras partes constituintes de um sistema ordenado, não só comportando-se como um todo, mas também, tornar-se um todo. Suas identidades fundem-se ou se sobrepõem de tal forma que perdem a própria individualidade. Esta seria a forma mais coerente possível de ordem existente na natureza, a ordem de uma inteireza-não-dividida.
Em 2001, o Prêmio Nobel de Física, da Academia Sueca, foi dado aos americanos Eric Cornell e Carl Wieman, pesquisadores da Universidade do Colorado, e ao alemão Wolfgang Ketterle, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Foi uma premiação clássica a cientistas experimentais, que demonstraram a existência real do "Condensado de Bose-Einstein" (BEC), como um novo estado da matéria proposto teoricamente nos anos 20 por Albert Einstein e pelo indiano Satyendra Bose: o gás ultracongelado, cujo estado não é gasoso, nem líquido, e nem sólido. O gás ultracongelado faz os átomos, que normalmente vibram desordenadamente, terem um comportamento como se fosse um conjunto, harmônico, afinado e bem direcionado. Esta descoberta terá aplicações práticas quando a sua técnica de obtenção estiver plenamente dominada. Será possível, por exemplo, fabricar componentes eletrônicos mais eficientes e a um custo bem menor que o atual. Assim, os chips de computador poderão se tornar cem vezes mais rápidos, sendo sua fabricação feita com o BEC, por meio de nanotecnologia.
Este estado da matéria poderia ser o mecanismo que permite à vida violar a Segunda  Lei da Termodinâmica, promovendo, assim, uma entropia negativa. Aliás, este fato é ratificado na obra de  Prigogine31 sobre "sistemas abertos", ou "dissipativos", nos quais se enquadram os sistemas vivos. A criatividade  destes – ao menos aquela cujas raízes estão em sua coerência quântica – surge de sua habilidade em criar a sua própria lei, o tipo de ordem que daria origem à inteireza relacional,  isto é,  fazer emergir um novo sistema que é maior do que a simples soma de suas partes constituintes, e fazê-lo espontaneamente cada vez que um nível crítico de complexidade seja alcançado. Aos sistemas com este comportamento, Prigogine os chamou de Sistemas Auto-Organizados.
                                                                      
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Fonte:http://www.redepsi.com.br/2007/06/27/o-c-rebro-a-mente-e-a-mec-nica-qu-ntica/


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